~> A Poeira na Cortina

Deitou-se no chão e freneticamente começou a fazer exercícios abdominais, em sua mente a figura ideal do que queria ser: a figura de todas aquelas pessoas que passavam de um lado para o outro e lhe olhavam com certo grau de inferioridade, aquelas pessoas que tinham seus corpos assediados por onde quer que passem. Na medida em que pensava em todos aqueles olhares, todas aquelas pessoas e todos aqueles objetivos, aumentava a velocidade. Seu corpo estremecia, pedindo para que parasse. Seus olhos, cegos, só se permitiam enxergar as aparências, sua aparência... Seus lábios, secos, ansiavam por água. E mesmo assim continuava compulsivamente seus exercícios, até que sua visão ficou turva e desmaiou...

Ao acordar, com um pouco de dor de cabeça, olhou para o teto, a lâmpada estava acessa, vagarosamente olhou para todos os lados de seu quarto, percebeu como a luz lhe permitia enxergar tudo com mais clareza, detalhe por detalhe... Com suas costas recostadas em uma das paredes de seu quarto, pressionando suavemente as mãos sobre sua cabeça, reparou em sua cortina algo estranho, além da poeira que a encobria, percebeu que em seu lado que confrontava com a janela havia alguns desenhos, um “bandó” e outros pequenos detalhes. Durante todos esses anos não havia percebido, mas sua cortina estava ao contrário, e todos sempre a achavam normal do jeito que era...

Ficou ali, durante horas pensando sobre sua vida, seu amigos e amigas, seus objetivos e suas vontades que quase nunca conseguia realizar. Ficou pensando sobre a cortina durante horas na medida em que lhe fazia inúmeras perguntas: Como eu quero que todos me achem normal se eu mesmo sendo, não me considero normal? Como eu quero que me achem uma pessoa bonita se eu não consigo me ver assim? Como eu quero que me assediem se eu ao menos me permito isso? Como eu quero que me amem se nem eu consigo me amar? As perguntas foram muitas, mas a conclusão era apenas uma: o mundo nos vê, como nós nos permitimos ser vistos, ou como nós mesmos nos vemos. Portanto, para que mudem conosco, basta que nós mesmos mudemos.

Com uma forte dor de cabeça, tentou extintivamente levantar-se do chão frio e deitar-se em sua cama, mas não conseguiria mais se levantar novamente...



Download por Bola Oito e Anderssauro